16 de dezembro de 2014
Em Itu, uma das cidades do interior paulista que mais sofrem com a falta d’água, muitos moradores vêm improvisando formas para captar água da chuva e usar em toda a casa. Na capital, aliás, já existe até um movimento chamado “Cisterna já”, que prega justamente a construção e instalação de modelos simples, no melhor estilo “faça você mesmo”. Mas será que essas medidas, um tanto improvisadas, são realmente boas soluções?
Depende. Embora caia do céu, a água captada da chuva não é assim tão limpa e, muito menos, potável. Por isso, seu uso só é indicado para fins bem simples: lavagem de pisos, carros e roupas, irrigação de jardins e nas descargas de bacias sanitárias. Para qualquer outra finalidade, a questão é polêmica até mesmo entre quem atua no setor.
RETORNO FINANCEIRO EM 4 A 5 ANOS
Há quem defenda que o uso de cloro, como num tratamento parecido com o das piscinas, seria suficiente para matar os micro-organismos que possam estar presentes nessa água, tornando assim seu uso possível para tomar banho, cozinhar, beber. Mas, para a maioria, a prática está longe de ser recomendável. E só seria aceitável em situações realmente emergenciais, num momento de muita crise, como as secas do Nordeste, e a que vive Itu atualmente.
— Existe um nível de potabilidade exigido pelo Ministério da Saúde. E isso, um leigo não consegue controlar em casa. Até porque o tratamento deve ser permanente e esses níveis variam muito — diz o engenheiro sanitarista Eduardo Pacheco, do Portal Tratamento da Água.
Pacheco alerta ainda para os riscos de acidente durante a manipulação dos produtos químicos. Segundo ele, esse é um tipo de serviço que só deveria ser feito por profissionais treinados:
— Imagina se o porteiro de um prédio vai jogar cloro na água e esse cloro pinga em seu olho. Há risco de cegueira.
Por isso, antes de investir num sistema de captação da chuva, que custa, em média, R$ 9 mil para cisternas de até cinco mil litros, é preciso checar até que ponto o uso dessa água justificaria os gastos com a instalação.
Em geral, o retorno financeiro demora de quatro a cinco anos, de acordo com os gastos da família. Em média, o gasto diário de água de uma família de quatro pessoas é de 800 litros. E para que o sistema valha a pena, ele deve proporcionar uma economia de pelo menos um terço dessa quantidade.
— Armazenar água da chuva só para regar jardim pode não fazer sentido. Até porque, se está chovendo, ele não precisa ser regado. Mas há situações em que o sistema se torna interessante. Então, tem de verificar os índices pluviométricos, as capacidades de captação (tamanho do telhado) e armazenamento — ensina Luiz Henrique Ferreira, diretor da Inovatech Engenharia, uma consultoria de sustentabilidade.
O funcionamento do sistema em si é simples e pode ser dividido em duas partes. A captação é feita por uma calha no telhado, que pode ou não ter uma grade para barrar folhas e galhos. A água passa por um filtro que vai retirar a maior parte dos resíduos. Um “freio” — nada mais que uma curva na tubulação — diminui o ritmo de entrada da água na cisterna decantando detritos menores que se depositam no fundo.
A medida mantém a água limpa o suficiente para os usos não potáveis. Na segunda parte, que nem sempre é instalada, uma tubulação leva a água para um reservatório exclusivo. Daí ela pode seguir para bacias sanitárias, máquinas de lavar roupa e tanques.
Em alguns casos, geralmente em construções novas, conjugam-se dois sistemas: o que faz a captação da chuva com o que faz o reuso de águas cinzas, aquelas que saem de chuveiros, pias e lavagem de roupas. Indicadas para os mesmos usos não potáveis, essas águas podem ser levadas ao mesmo reservatório, mas esse sistema exige uma segunda tubulação. Há ainda um realimentador que aciona o hidrômetro geral quando a quantidade da água de reuso ou a da chuva não é suficiente.
Vale lembrar: não há qualquer ligação da tubulação que carrega essas águas com a da caixa potável.
PROCURA POR SISTEMAS CRESCEU 300%
Com a crise dos últimos meses, a procura por sistemas de captação da água da chuva e de reuso cresceu enormemente, especialmente em São Paulo. Só na Ecocasa, uma das empresas que fornece o sistema para residências, a procura aumentou 300%.
Boa parte dessa demanda é para construções já existentes. Mas, nesses casos, a instalação de sistemas completos, além de cara, é bastante trabalhosa já que exige uma obra extensa e complexa, justamente para separar as tubulações — afinal, as águas cinzas e da chuva não podem ser misturadas à potável, fornecida pela concessionária. O que vem acontecendo é que muita gente tem optado por instalar apenas a primeira parte, justamente para fugir da obra.
— Não faço projetos que não contem com sistemas assim. A gente tem que ter responsabilidade com os recursos naturais. Em casas ou prédios prontos, a obra é complexa, mas, ainda assim, válida — diz o arquiteto Antônio Goulart.
Segundo Goulart, com cerca de R$ 5 mil seria possível instalar um sistema mais simples com cisterna de até 3 mil litros, o suficiente para cerca de 15 dias. A defesa principal, nesse caso, é que não se pode mais usar água potável para lavar as áreas comuns de prédios ou irrigar jardins. E é também dessa ideia que nascem movimentos como o paulista “Cisterna já”, que vem realizando encontros para ensinar a construir uma cisterna artesanal, feita com bombonas.
— A gente precisa aliviar a demanda sobre os nossos reservatórios. Até ontem, a sociedade brasileira achava que estava nadando em água. A hora de começar uma transição é agora — defende Claudia Visoni, jornalista e ambientalista que participa do movimento “Cisterna já”.
Luiz Henrique Ferreira, da Inovatech, concorda. Para ele, o problema é o desperdício:
— Se a gente usasse água potável somente para beber, tomar banho e cozinhar, essa discussão estaria fora do contexto.
Para o engenheiro sanitarista Eduardo Pacheco, a questão é de planejamento governamental. Ainda que seja válida a instalação de sistemas caseiros, a solução para a atual crise hídrica é que esses sistemas sejam em larga escala:
— Tem que aproveitar água da chuva, tratar esgoto, fazer o reuso de efluentes domésticos em vez de jogá-los no mar. Isso já é feito em outros países e é a solução para qualquer metrópole. Desde que feito em larga escala, pelos governos.
Fonte: O Globo (14/12)