Fonte: O Globo
Satisfeito com o preço atraente de um aluguel, o advogado Caio José Alves resolveu fechar negócio, mesmo observando algumas imperfeições na aparência do imóvel.
– Notei algumas manchas no teto, mas confesso que não dei muita atenção, porque estava empolgado. Era um dois quartos por R$ 1.500, na Lapa – recorda-se ele sobre o apartamento que ficava no último andar do prédio. – Mas tão logo começaram as chuvas, as manchas aumentaram e vieram as goteiras. Eu precisava espalhar baldes pela casa, sem contar com as alergias que as paredes molhadas começaram a causar.
A situação vivenciada por Alves causa arrepios em muita gente que conhece os transtornos causados por uma infiltração. Em vários casos, só para descobrir a origem do problema já é necessária uma investigação minuciosa e muita negociação entre proprietários, vizinhos e condomínio. Para piorar, o quebra-quebra pode ser inevitável na hora de resolver a falha.
– Foi tudo muito desagradável. Como morava no último andar, o responsável era o condomínio. Notifiquei, e nada adiantou. A solução só veio quando ameacei o locador de rescindir o contrato. Aí foram três meses de obras em casa e só consegui ficar com imóvel em perfeitas condições cinco meses depois de alugar – relata ele. – Certamente, deveria ter dado mais atenção aos detalhes. Não alugo nunca mais um imóvel com qualquer sinal de infiltração.
Segundo o engenheiro civil Gilberto Couri, especialista em patologia de edificações e integrante do Conselho de Engenharia e Agronomia do Rio, boa parte desses problemas está relacionada à qualidade das obras feitas nas coberturas e da manutenção das mesmas. Afinal, como ele explica, os materiais usados para a impermeabilização têm uma vida útil que precisa ser levada em consideração.
– A incidência do do sol provoca uma dilatação do concreto e a manta impermeabilizante tem que acompanhar isso. Normalmente, ela tem essa capacidade, mas em função da vida útil, que é expressa no produto, isso se perde com o tempo e começam a aparecer pequenas fissuras por onde a água passa – explica ele, citando que o prazo varia conforme a marca, mas alguns tipos chegam a cinco anos, sendo que a durabilidade pode ser maior.
Segundo Couri, a forma mais segura de prevenir infiltrações dessa natureza é respeitar estes prazos e fazer a troca de revestimentos. Mas as intervenções também devem respeitar critérios importantes. Antes da aplicação da manta, por exemplo, é fundamental usar uma argamassa de nivelamento, para que a água tenha um caimento perfeito. Em seguida, como ele lembra, a manta deve “entrar no ralo”, para que os líquidos não infiltrem pelas bordas.
– As regiões periféricas também merecem atenção. A manta tem que subir por até 30cm nas paredes, fazendo um sulco na mesma, para que a água não infiltre por trás – acrescenta Couri, lembrando que a qualidade dos produtos precisa ser proporcional ao grau de insolação que a superfície vai receber.
Ele recomenda também muita atenção com os musgos que aparecem no chão, sobretudo em pisos cimentados. É que estes organismos penetram por meio das fissuras e levam a chuva ácida até a manta.
– Devem ser removidos com ajuda de uma escova de cerdas de aço. Em seguida, as fissuras precisam ser preenchidas com massa cimentícia – indica o engenheiro.
A ORIGEM DO PROBLEMA
A arquiteta Fernanda Bessone conta que, ao longo da carreira, já quebrou a cabeça muitas vezes investigando a origem das infiltrações. Um truque simples recomendado por ela é usar água com pigmentos coloridos.
– Você joga o líquido avermelhado na superfície suspeita e espera para ver se a coloração vai refletir na parte de baixo – diz ela. – Isso é importante porque nem sempre problema e origem estão exatamente na mesma altura.
Fora isso, Fernanda enfatiza que as pessoas precisam ter muita atenção com as intervenções feitas sobre uma cobertura impermeabilizada. Ela explica:
– Às vezes, a pessoa compromete a manta ao furar o chão para fixar um luminária com um parafuso. O mesmo pode acontecer com a instalação de antenas.
POR TODOS OS ANDARES
Quem está distante da cobertura tem outros problemas. Como lembra o presidente do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia, o engenheiro civil Frederico Correia Lima, um deles está relacionado à fachada, que também tem função impermeabilizante.
– Neste caso, os moradores precisam saber há quanto tempo foi feita a última pintura ou aplicação de cerâmica e observar a qualidade do serviço – recomenda ele.
Quanto às tubulações escondidas atrás das paredes, é mais difícil se certificar da qualidade. Lima recomenda consultar porteiros e condôminos para saber se houve trocas recentes por materiais melhores e verificar se há sinais de vazamento nas áreas comuns. Isso serve como indicador dos cuidados recebidos pelo prédio como um todo ao longo dos anos.
Para quem vai comprar um imóvel, Lima aconselha que seja feita uma vistoria por um profissional de confiança. Mas os sentidos humanos também são úteis.
– O apartamento pode estar pintado, mas o cheiro de mofo não sai. Pôr a mão em diferentes pontos da parede também ajuda a identificar a presença de umidade – menciona ele.
E quando uma infiltração é identificada, o alerta deve ser ainda maior caso apresente alguma ligação com a rede elétrica.
– A água em contato com condutores de energia é capaz de causar perda de isolamento e curtos-circuitos, podendo gerar até um incêndio. É uma ocorrência menos comum, mas é muito grave – alerta ele. Se nas edificações antigas a ação do tempo é implacável, nos prédios mais novos é a qualidade das obras que põe a impermeabilização e as tubulações em xeque.
– Com o boom imobiliário dos últimos anos, vimos obras serem feitas em ritmo acelerado. É muito comum encontrarmos impermeabilizações de qualidade inferior e tubulações malfeitas, principalmente em prédios voltados para o público com renda mais baixa – observa o arquiteto Fernando Santos, diretor da Santos Projetos. -E o problema é que as consequências de uma tubulação mal conectada ou uma manta ruim não vão aparecer no dia em que você visita o apartamento.
Antecipar-se ao problema é sempre uma boa alternativa. Para o diretor jurídico da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi), Marcelo Borges, os condomínios devem realizar periodicamente uma vistoria nas instalações hidráulicas comuns e até individuais, a fim de identificar possíveis pontos de infiltrações ou anormalidades.
– Esse trabalho também é importante no combate ao consumo irracional de água no prédio, pois infiltrações geram desperdícios que majoram a conta mensal de água e esgoto – acrescenta ele.
Uma vez identificada uma infiltração, é muito comum os condôminos levantarem dúvidas sobre a responsabilidade pelo problema. Por isso, Borges afirma que um profissional qualificado e experiente deve assessorar o condomínio na identificação precisa do local do vazamento.
– Caso esteja localizado na tubulação primária (coluna comum), caberá ao condomínio a responsabilidade de reparação e recomposição dos ambientes afetados. Contudo, sendo de tubulação secundária (ramificações internas nos imóveis), recairá sobre o proprietário do imóvel – sintetiza Borges.
SEM BATE-BOCA
Mesmo assim, de acordo com o advogado, em alguns condomínios o procedimento é invertido, impondo ao morador o trabalho inicial de investigação. Só depois, a administração deve ser chamada, caso o defeito tenha como origem um encanamento comum.
– Mas nenhum condômino tem o direito de criar obstáculos para esta investigação e até mesmo para a reparação dos problemas. Caso isso aconteça, o síndico pode impôr as penalidades previstas nos estatutos internos – afirma o advogado.
Por fim, ele diz que, caso a falha esteja situada em um encanamento particular, o morador lesado terá que buscar por vias próprias o seu direito de reparação. Nestes casos, o condomínio serve apenas como um mediador ou intermediário na solução do imbróglio.