Ainda que o polêmico projeto de lei que fixa condições para o envidraçamento de varandas seja sancionado nesta quarta, quando termina o prazo para o prefeito Eduardo Paes se manifestar, os ventos continuarão soprando na Zona Sul. A favor, para alguns; contra, para outros. É que ele exclui os bairros da região, o que, segundo o vereador Carlo Caiado (DEM), idealizador do projeto, atende a pedidos de associações de moradores da área. Mas quem queria se proteger de intempéries, não gostou.
De acordo com o projeto de lei, fica permitido o fechamento de varandas por sistema retrátil, com material incolor e translúcido, mediante pagamento de até R$ 300 por metro quadrado de área da varanda (o valor varia de acordo com o endereço). Mas o fechamento não poderá resultar em aumento da área do apartamento, nem será admitida a incorporação da varanda aos cômodos internos, sob pena de multa.
A principal alegação de associações da Zona Sul contra o projeto de lei é que ele contraria o Código de Obras (lei 322), que, aliás, vale para toda a cidade. O código disciplina a construção de prédios residenciais, estabelecendo que donos de imóveis com varandas não podem fechá-las em qualquer hipótese, seja com vidraça, madeira ou outro material, para não descaracterizar os imóveis. Determina, ainda, que convenções de prédios com varandas tenham cláusula proibindo a alteração. Mas, a pretexto de combater barulho, poluição e vento, proprietários têm ignorado a regra, em vigor desde 1976.
— Essa lei quer legalizar o ilegal. A área das varandas em balanço não é computada no cálculo da área total edificada do imóvel. A prefeitura, na época, deu esse “plus” porque elas ficariam no ar, mas sob a condição de que não fossem fechadas. Seriam como mirantes — argumenta Regina Chiaradia, da associação de Botafogo.
— E tem as questões de saúde pública, já que as varandas foram projetadas para arejar o ambiente, e de estética: com o fechamento da varanda sendo facultativo, alguns apartamentos podem adotar a solução e outros não, agredindo o projeto arquitetônico — acrescenta Evelyn Rosenzweig, da associação do Leblon.
O construtor José Conde Caldas, que nos anos 70 colaborou com a prefeitura na aprovação das normas sobre varandas, diz que o fechamento dos espaços também burla a legislação tributária, já que as varandas, por não serem computadas na área útil dos apartamentos, têm um peso menor (de 50%) no cálculo do IPTU.
SURPRESO AO CONHECER A REGRA EM VIGOR
Muitos moradores e mesmo síndicos, no entanto, não estão a par da legislação e, vendo que o modelo se espalha pela cidade, o adotam em seus prédios. Em Botafogo, Ricardo Machado, síndico de um edifício na Rua Assunção, onde alguns proprietários envidraçaram varandas, ficou surpreso quando a equipe do Morar Bem quis entrevistá-lo sobre a norma vigente.
Antes de falar, procurou a administradora do condomínio, que, só então, lhe informou que enviaria uma circular sobre o assunto e orientou-o a não permitir que outros apartamentos fechassem varandas, ao menos por enquanto:
— Eu, particularmente, acho um absurdo proibir o fechamento, pois o vidro, transparente, não fere a estética da fachada. Mas, claro, vamos cumprir o que a lei determinar.
INCORPORAÇÃO DA VARANDA É PROIBIDA PELA LEI
Uma preocupação de quem é contra o fechamento de varandas é o adensamento de determinadas regiões. É o que dizem o construtor José Conde Caldas e o presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) no Rio, Pedro da Luz. Em muitos imóveis em que as varandas foram fechadas, elas se tornaram uma extensão da sala, acrescentam eles.
— A varanda é construída para ser um espaço aberto, com plantas. O risco com o fechamento das varandas é o da “copacabanização” de outros bairros da Zona Sul — diz Conde Caldas.
— Minha preocupação não é com a concepção arquitetônica da fachada. Mas é preciso olhar para o interior das edificações. Ao fechar a varanda, o morador muda o lay-out interno, integrando a área à sala, e a varanda desaparece. Por mais que a lei diga que isso não pode ser feito, quem vai fiscalizar? — questiona Pedro da Luz.
O vereador Carlo Caiado defende que a prefeitura fará a fiscalização e ressalta que, com a lei, cria-se um padrão, já que até agora cada um fazia como bem entendia. Ele explica que o projeto, que tramita há quase dez anos na Câmara de Vereadores, no início, só contemplava Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes, por causa de características da área, onde venta muito.
— Depois disso, alguns bairros aprovaram seus PEUs (Projetos de Estruturação Urbana), passaram a ter mais prédios e a demanda foi surgindo em toda a cidade. E o projeto de lei se estendeu para todo o Rio. Mas, nós fizemos reuniões com a sociedade e, como as associações de moradores da Zona Sul foram contra, atendemos ao pedido de exclusão — afirma o vereador, ressaltando que nada impede que, se caso mudem de ideia, a Zona Sul seja incluída na lei através de um artigo.
Caso a lei seja vetada pelo prefeito, quem já fez o fechamento da varanda terá que desfazer a obra, sob pena de multa — no caso da Zona Sul, isso deve ser feito mesmo que a lei seja sancionada. A exceção são os moradores que se beneficiaram da chamada “Lei da Mais-Valia” (lei complementar 99/2009, que entre setembro de 2009 e janeiro de 2010 “perdoou” as obras ilegais mediante pagamento de uma taxa).
— Quem já fechou sua varanda e pagou a mais-valia, não poderá ser multado. Legalizou-se o ilegal e a punição foi o pagamento da mais-valia, além do IPTU mais alto (já que a varanda passou, nesses casos, a ser computada na área total edificada do imóvel) — ressalta Caldas.
Fonte: O Globo (13/07)