A pouco mais de uma semana da data-limite para a apresentação à prefeitura de laudos de autovistoria que atestam a integridade estrutural de imóveis residenciais e comerciais da cidade, apenas 4,81% (13.002, de um total de cerca de 270 mil) apresentaram a documentação exigida. E o prazo, que vence no dia 1º de julho — depois de uma prorrogação de 180 dias —, não será mais renovado. A partir de 2 de julho, fiscais começarão a notificar os condomínios, que terão 30 dias para regularizar sua situação. Caso não atendam à exigência, a prefeitura começará a aplicar multas — cujo valor vai variar conforme a quantidade de notificações e o valor dos imóveis.
— A intenção do município não é arrecadar recursos com a aplicação da lei. Vamos determinar que a legislação seja cumprida, para que o cidadão tenha consciência de que a regra da autovistoria é para valer. O que está em discussão é a própria segurança dos moradores — justificou o secretário-chefe da Casa Civil da prefeitura, Guilherme Nogueira Schleder.
A multa inicial corresponde a cinco vezes o chamado VR (valor de referência), usado para calcular o IPTU e que aparece impresso nos carnês. Caso a exigência não seja cumprida, novas multas podem ser aplicadas, tendo como limite a soma dos valores venais (que também constam dos carnês) das unidades do condomínio.
A lei complementar 26/2013, que estabeleceu a autovistoria, foi aprovada pela Câmara dos Vereadores após uma tragédia ocorrida em 25 de janeiro de 2012, na Avenida Treze de Maio, no Centro. O Edifício Liberdade desabou, atingindo dois prédios vizinhos. Pelo menos 17 pessoas morreram. Outras cinco vítimas consideradas desaparecidas nunca tiveram os corpos encontrados. Segundo a denúncia apresentada pelo Ministério Público à Justiça, em janeiro de 2013, o colapso estrutural foi provocado por obras irregulares num dos andares do imóvel.
Em julho de 2013, na regulamentação da lei, foi estabelecido o prazo até 1º de janeiro de 2014 para a entrega da documentação. Mas, quando o prazo venceu, a prefeitura decidiu prorrogá-lo porque apenas cinco mil imóveis (1,85% do total) haviam sido vistoriados. De acordo com a lei, em caso de informações falsas ou de omissão deliberada de dados pelos arquitetos e engenheiros que assinam os laudos, os profissionais estão sujeitos a multa de R$ 5 mil e podem ser responsabilizados civil e criminalmente.
O secretário explicou que a fiscalização será feita por amostragem, num cruzamento entre informações do cadastro do IPTU e da Secretaria municipal de Urbanismo — que recebe, por meio eletrônico, os documentos de autovistoria. Estão isentos da apresentação do laudo: casas; unidades bifamiliares; prédios de até dois pavimentos com área total construída inferior a mil metros quadrados; edificações erguidas há menos de cinco anos e construções em comunidades carentes declaradas Áreas de Especial Interesse Social. Os laudos valem por cinco anos, ao fim dos quais deverão ser renovados.
— Decidimos começar por verificar a situação dos imóveis localizados nas principais vias da cidade que tenham sido construídos há mais de 20 anos. No caso de descumprimento das intimações, novas multas poderão ser aplicadas a cada 30 dias — explicou Schleder.
O secretário acrescentou que, se os condomínios deixarem de pagar as multas dois anos após o vencimento, o caso será encaminhado à Procuradoria Geral do Município, para se tentar um acordo amigável. Caso haja um impasse, a cobrança poderá ser feita em juízo. Schleder explicou que, em tese — já que não existe um precedente jurídico —, o prédio inteiro pode ser leiloado para pagar a dívida.
O advogado especializado em direito imobiliário Márcio Rachkorsky acha que essa questão da cobrança jurídica poderá causar confusão:
— Existem outras formas de cobrar o débito, como determinar o bloqueio judicial das contas do condomínio.
De acordo com a lei da autovistoria, um profissional especializado (arquiteto ou engenheiro) deve analisar as condições estruturais dos imóveis e indicar a necessidade de reformas para sanar os problemas. Nesse caso, o especialista pode dar entrada num processo na prefeitura, fixando um prazo para o condomínio cumprir as exigências. O município então só notificará e poderá multar o imóvel se a situação não for regularizada no tempo previsto. Dos 13.002 laudos entregues até a última quarta-feira, por exemplo, 7.081 (54,5%) têm exigências a cumprir.
O valor cobrado dos condomínios varia conforme a área total a ser inspecionada. Em média, as empresas começam cobrando de R$ 1,5 mil a R$ 2 mil por laudo para prédios com até seis apartamentos. Em grandes condomínios, a autovistoria não apenas é mais cara, como também mais trabalhosa. E pode exigir mais de uma visita ao imóvel. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o La Montaigne. Localizado na Rua Pereira Nunes, na Tijuca, o edifício tem 108 apartamentos. Contratadas para fazer a autovistoria, a arquiteta Rose Ducraux e a engenheira Jaqueline Martins aproveitaram o feriado para visitar o prédio ontem, pela sexta vez, para inspecionar unidades que ainda não haviam sido visitadas.
— Em condomínios com muitas unidades, é difícil encontrar todos os moradores ao mesmo tempo em casa — contou Rose.
O químico aposentado Jaílson Moreira da Silva, subsíndico do prédio, acredita que a autovistoria de fato dará mais segurança aos moradores. De antemão, ele sabe que o imóvel terá de cumprir exigências que constarão do laudo a ser apresentado. Os moradores formaram uma comissão para decidir como será feita a troca das pastilhas da fachada. Antes disso, alertados por Rose, eles haviam feito uma intervenção de emergência para retirar o reboco de uma das varandas, que corria o risco de cair.
Especialistas em urbanismo aprovaram a decisão da prefeitura de não prorrogar o prazo.
— Já houve uma prorrogação. Mais um adiamento da fiscalização poderia levar a descrédito, dar a impressão de que a lei não será cumprida — disse o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-RJ), Sidney Menezes.
PARA SINDICATO É PRECISO MAIS TEMPO
O presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, Pedro da Luz, também acredita que o prazo concedido foi mais que razoável. Ele, no entanto, defende que o município também seja mais ágil para fiscalizar obras irregulares feitas por leigos na cidade:
— Existe uma cultura de informalidade muito forte. Obras que interferem na estrutura de imóveis muitas vezes são feitas por pedreiros, sem acompanhamento de um profissional responsável.
Já o Sindicato da Construção (Secovi-Rio), que representa os condomínios da cidade, tem avaliação diferente da lei da autovistoria:
— Os condomínios e os próprios engenheiros e arquitetos demoraram algum tempo para compreender a legislação. O prazo deveria ser prorrogado, porque o universo dos que fizeram a autovistoria é muito pequeno — disse o vice-presidente de Assuntos Condominiais do Secovi, Leonardo Schneider.
PREFEITURA CONCLUIRÁ ANÁLISE DE SEUS IMÓVEIS
Desta vez, a prefeitura do Rio fez o dever de casa. Quando decidiu prorrogar a autovistoria, o próprio município ainda não havia concluído a análise de seus imóveis. O secretário-chefe da Casa Civil, Guilherme Nogueira Schleder, explicou que, na semana que vem, terá em mãos relatórios indicando que obras ou adaptações serão necessárias nos prédios municipais. A regularização inclui a sede e o anexo do Centro Administrativo São Sebastião, na Cidade Nova. O orçamento para os serviços depende da entrega dos laudos.
— Com base nos relatórios, vamos elaborar um plano para atender às exigências, resolvendo primeiro as falhas consideradas mais graves — explicou o secretário.
Schleder acrescentou que, embora não seja uma exigência da autovistoria, nas próximas semanas um outro problema será solucionado. A prefeitura, finalmente, está prestes a obter o habite-se de sua sede. A documentação, que é exigida de todos os imóveis, está em fase de regularização no Registro Geral de Imóveis.
Fonte: Jornal O Globo (20/06/2014)