Para muitos moradores e empresários do Rio de Janeiro, o evento esportivo é uma oportunidade de lucro. Alguns ainda receiam o impacto dos Jogos
Com apartamentos de frente para o Parque Olímpico, moradores dos condomínios Cidade Jardim, Rio 2, Bora Bora e Vilas da Barra começaram a ser assediados, no fim do ano passado, por empresas e corretores de imóveis interessados em opções de aluguel para turistas durante os Jogos. Prometiam antecipar 75% do valor combinado e clientes corporativos americanos e europeus. Os imóveis deveriam ser equipados com Wi-Fi, TV a cabo, aquecedor de água, ar-condicionado e mobília completa. O assédio fez aumentar a expectativa de que seria possível fazer um bom negócio.
Num dos edifícios, 20 dos 70 proprietários se animaram a passar o período olímpico fora de suas casas em troca da renda extra. Antes de aceitarem as propostas, organizaram-se. Formaram um grupo no aplicativo WhatsApp para troca de informações e descobriram que as propostas equivaliam a, no máximo, 30% do valor das diárias de hotel. Foi aí que o nutricionista Eduardo Garcia se transformou numa espécie de consultor financeiro dos vizinhos.
Ficou combinado que a cobrança seria feita em dólar e o aluguel temporário de apartamentos de dois quartos, com 70 metros quadrados, foi fixado em US$ 700 por dia ou US$ 20 mil mensais. A expectativa era lucrar com a oportunidade, mas a realidade é outra. “O excesso de oferta atrapalha. Há sempre histórias de interessados, mas, a um mês das competições, poucos negócios foram fechados”, diz Garcia. A melhor perspectiva é o aluguel para um grupo de comunicação canadense, que virá cobrir os Jogos.
Não é preciso nem sair de casa para perceber que, muito além da região do Parque Olímpico, não faltam iniciativas para tentar ganhar dinheiro com hospedagem. Na internet, há ofertas de diversos tipos de acomodações, de sofás a lanchas e mansões. São mais de 300 ofertas na Barra da Tijuca e igual número em outros bairros e até cidades próximas. Os preços das diárias variam de R$ 45 por uma cama num quarto compartilhado, no Recreio, a R$ 139 mil por uma mansão em Niterói, a 60 quilômetros do principal palco dos Jogos, mas com quatro quartos, oito banheiros, piscina de borda infinita, espaço gourmet climatizado, duas churrasqueiras e adega.
Na ânsia de alugar casas e apartamentos, há quem exagere nas promessas. Yan, que oferece uma cobertura com vista para a Praia de Copacabana, com diária de R$ 7.300, afirma no anúncio que não há mosquitos na Zona Sul do Rio, em alusão aos casos de dengue, zika e chikungunya no país.
A vizinhança dos Jogos tem seus extremos. Nunca na história da Vila Autódromo, ao lado do Parque Olímpico, seus moradores viram tantas obras ao mesmo tempo. O canal malcheiroso que passa na frente do que restou da comunidade está sendo dragado e a pavimentação do acesso ao Parque Olímpico prossegue. Por fim, empreiteiras estão construindo casas de 60 metros quadrados, com dois quartos, sala, cozinha, banheiro, garagem e um pequeno quintal.
Para as 20 famílias remanescentes da comunidade que surgiu no local na década de 1960, o período é de trégua da luta travada para permanecer na área. Em 1993, o prefeito Cesar Maia anunciou a intenção de remover a favela do local, que 23 anos antes crescera à beira da Lagoa de Jacarepaguá. Não conseguiu porque os moradores tinham títulos de posse provisória, dados pelo ex-governador Leonel Brizola. O caso foi parar na Justiça e, em 1996, o governador Marcello Alencar renovou os títulos por 99 anos. Em 2005, a Câmara de Vereadores aprovou lei transformando a comunidade em Área Especial de Interesse Social.
Quando, em 2009, o Rio de Janeiro ganhou a indicação para sediar os Jogos, voltaram os planos de remoção, iniciada em 2014. Das cerca de 580 famílias que residiam no local, 20 se recusaram a aceitar as indenizações e a mudança para um conjunto habitacional a 1 quilômetro de distância. “Sofremos muita pressão. O prefeito mandou a Light tirar os postes da comunidade e fecharam o comércio. Diziam que íamos perder tudo”, afirma o líder comunitário e professor de educação física Luiz Cláudio Silva.
Ele morava com a mulher e a filha num imóvel de dois andares, três quartos, dois banheiros, sala, cozinha e varanda. Na parte de cima, construiu três quitinetes para alugar. Hoje, mora em um dos contêineres alugados pela prefeitura para abrigar as famílias até que a casa de cimento seja entregue. “É diferente morar em um contêiner. É dividido em dois quartos, sala, cozinha e banheiro. Tem ar-condicionado, algo que nunca tive, mas balança muito quando a gente anda”, diz.
A entrega das novas casas está marcada para 22 de julho. Também está prevista a construção de uma quadra polivalente para a ínfima comunidade. Nos últimos meses, o movimento de jornalistas estrangeiros na Vila Autódromo aumentou. Todos querem mostrar o “lado B” dos Jogos, o das remoções. Apesar da movimentação da imprensa e das obras, a cozinheira Sueli Ferreira Campos teme que, por conta da valorização da área, a pressão para tirá-los continue após a Olimpíada.
O Rio de Janeiro viveu fases distintas desde a escolha como sede olímpica, na avaliação da presidente da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi), Deborah O’Dena Mendonça. Num primeiro momento, houve um boom no mercado imobiliário, com concentração de investimentos na Zona Oeste, e os preços dos imóveis dispararam. Agora, o valor caiu. Deborah prevê que o mercado se recupere a partir de 2018, principalmente em função do legado de mobilidade e infraestrutura.
As estatísticas da Abadi deixam claro que a Zona Oeste foi a que mais recebeu atenção do setor imobiliário. Jacarepaguá, Campo Grande, Barra e Santa Cruz concentraram 51,6% dos 5.339 empreendimentos lançados em 2015. Jacarepaguá, cujos limites se confundem com o principal palco da Olimpíada, lidera as estatísticas com 1.198 unidades.
Na Barra da Tijuca, também os lojistas se preparam para os Jogos. Com expectativa de aumento de mais de 10% no fluxo de turistas, o Shopping Via Parque prevê oferecer clínicas de esportes e shows, que terão Luciano Huck e Preta Gil entre os convidados. Com público de 85 mil pessoas por mês, o shopping terá estandes de venda e retirada de ingressos, telão para assistir às disputas e uma linha de ônibus direto para a Vila Olímpica.
Para o vice-presidente da Associação Comercial e Industrial da Barra (Acibarra), José Wilson, os Jogos deixarão como legado um grande potencial de geração de divisas e criação de empregos. “Nesse momento, empresário que é empresário não pode pensar em crise”, afirma.
Fonte: Revista Época