Uma recente decisão Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) deve deixar em alerta as empresas que oferecem planos de saúde diferenciados entre seus funcionários. A 2ª Turma definiu que incide contribuição previdenciária sobre valores pagos a título de assistência médica ou seguro-saúde quando os planos e as coberturas não forem iguais para todos os segurados da companhia.
Desde 2009 havia no Carf decisões favoráveis aos contribuintes. Entendia-se que a distinção entre os planos não seria motivo para excluir a isenção da contribuição. Com a nova composição da 2ª Turma da Câmara Superior, o Fisco conseguiu alterar a interpretação por maioria de votos.
O artigo 28 da Lei nº 8.212, de 1991, determina que não integram o chamado salário-contribuição o valor relativo à assistência prestada por serviço médico ou odontológico desde que a cobertura abranja a totalidade dos empregados e dirigentes da empresa. Nos processos, porém, o Fisco alega que é necessário que todos os funcionários recebam o mesmo plano de saúde. Já a defesa dos contribuintes argumenta que não há na lei essa distinção. Bastaria apenas fornecê-lo para todos os empregados.
A decisão foi contra a fabricante de autopeças Mubea Brasil. No caso o Fisco recorreu de decisão do Carf de 2012 que tinha sido unânime a favor dos contribuintes. Segundo a decisão anterior, “o único requisito necessário para que não incida contribuição previdenciária sobre o valor relativo à assistência médica é o de que a totalidade dos empregados e dirigentes sejam beneficiados com ela”.
No caso avaliado, a fiscalização constatou a existência de dois planos de saúde distintos na companhia: um para os dirigentes da empresa e outro destinado aos demais empregados. Assim, lavraram auto de infração para cobrar a contribuição previdenciária de janeiro de 2007 a dezembro de 2008.
Segundo o voto vencedor da relatora, Maria Helena Cotta Cardozo, o artigo 28 da Lei nº 8.212, de 1991, deixa claro que a condição para que o valor relativo à assistência médica não integre o de contribuição é que a cobertura abranja o total de empregados e dirigentes da empresa. Assim, como há dois planos de saúde distintos, a conselheira concluiu que não foi cumprido o requisito legal.
Ainda ressaltou a relatora que a interpretação da lei que concede isenção deve ser literal, conforme o inciso II, artigo 111, do Código Tributário Nacional (CTN). Maria Helena foi seguida por maioria.
O tributarista Alessandro Mendes Cardoso, do Rolim, Viotti & Leite Campos, que atua no Carf, ressalta que com a mudança de entendimento há um risco maior de autuações para as empresas que oferecem seguro de saúde diferenciado aos funcionários.
Para Cardoso, a decisão não se aprofunda no tema e não cita precedentes que fundamentem a mudança de posição. “A questão já era pacificada no Carf a favor dos contribuintes desde 2009. Os contribuintes terão que levar essas discussões ao Judiciário, que apesar de não ter uma posição consolidada já proferiu decisões favoráveis.”
Segundo o advogado, a Lei nº 8.212 não estabelece que os planos de saúde oferecidos devem ser iguais para todos os funcionários. “A lei fala apenas que o empregador deve conceder plano de saúde para todos.” Cardoso afirma que tem sido usual empresas oferecerem melhores planos para diretores e dirigentes e planos menos elaborados para os demais trabalhadores.
Especialista em direito previdenciário, o advogado Caio Taniguchi, do ASBZ Advogados, diz que a nova composição da 2ª Turma da Câmara Superior do Carf tem dado diversas decisões a favor do Fisco em matérias previdenciárias, até então favoráveis aos contribuintes. Ele cita outros julgados como pagamento de contribuição previdenciária na concessão de alimentação em tíquetes e concessão de bolsas de estudo para dependentes. “Todas as discussões mais relevantes têm sido desfavoráveis aos contribuintes na Câmara Superior”, afirma.
A decisão, de acordo com Taniguchi, não leva em consideração a intenção do legislador ao conceder a isenção como forma de estimular o pagamento do seguro de saúde aos empregados, uma vez que o Estado não dá conta da demanda no sistema público. “Conceder planos de saúde diferentes não justifica transformar a assistência médica em remuneração para incidência de contribuição”, diz.
Segundo o advogado, porém, as empresas que não querem correr o risco de serem autuadas, oferecem planos melhores para funcionários, desde que eles paguem um diferencial.
A advogada trabalhista Juliana Bracks Duarte, do Bracks Advogados Associados, ressalta que o inciso IV, parágrafo 2º, do artigo 458 da CLT é claro ao estabelecer que assistência médica, hospitalar ou odontológica, prestada diretamente ou mediante seguro-saúde não podem ser consideradas salário. “Se não é considerado salário não incide contribuição previdenciária.”
O Valor não conseguiu localizar o advogado da Mubea do Brasil para comentar a decisão. Já a assessoria de imprensa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou por nota que não tem considerações adicionais ao acórdão da Câmara Superior.
Fonte: Valor Econômico