Na rua Eli Seabra Filho, no bairro de classe média Buritis, em Belo Horizonte, o dia 10 de março foi de festa. Um café da manhã e kits de boas- vindas marcaram a chegada das 568 novas famílias ao conjunto habitacional do programa Minha Casa, Minha Vida. Os moradores, é claro, tinham motivos de sobra para celebrar a realização do sonho da casa própria. Mas não apenas eles. Para a MRV Engenharia, que construiu o complexo, a data representou a conclusão de mais um ciclo de negócios em seu principal segmento de atuação, fonte de 70% de suas receitas. Desde o lançamento do programa, em 2009, a empreiteira mineira se especializou em ganhar dinheiro construindo residências nos moldes do Minha Casa, Minha Vida, que oferece subsídio e condições favoráveis de compra para a população de renda mais baixa.
Fazer negócios com um empurrãozinho do governo é um trunfo empresarial quando há espaço fiscal para a ampliação dos subsídios, como ocorreu na crise, em 2009. De lá para cá, o quadro mudou radicalmente. Diante de contas debilitadas, o governo está cortando benefícios sociais que gerem custo ao Tesouro. Um exemplo é a mudança nas regras do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), que está sendo questionada na Justiça por grupos privados de ensino que, por anos, cresceram na carona do programa. A boa notícia para a construção civil, no entanto, é que o Minha Casa, Minha Vida está sendo blindado das tesouras afiadas do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. O programa é o xodó da presidente Dilma Rousseff, que sancionou, neste ano, um projeto de lei que desonera as moradias mais baratas, com uma renúncia estimada em R$ 2 bilhões até 2018.
Os empresários da construção civil também aguardam ansiosamente a terceira fase do programa, anunciada ainda na campanha presidencial, no ano passado, e que foi confirmada recentemente pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. As regras estão sendo finalizadas e devem ser divulgadas nas próximas semanas. O governo já adiantou que atenderá o pleito das construtoras para a elaboração de uma faixa intermediária de renda, entre os grupos 1 (renda até R$ 1.600) e 2 (renda entre R$ 1.601 e R$ 3.275). O objetivo é permitir que as famílias que já superaram a renda do grupo de entrada consigam arcar com os custos da faixa 2. Em vez de uma parcela quase totalmente subsidiada, uma família com renda de R$ 1.601 passa a pagar quase R$ 300 ao mês, segundo cálculos do setor. A correção da falha na próxima etapa representará uma enorme oportunidade para o setor. “Quando você inclui essa faixa, potencializa o mercado”, afirma Rubens Menin, presidente da MRV. “Ninguém com juízo pode cortar o Minha Casa, Minha Vida.” De olho nesse mercado potencial, a paulista Cury Construtora, já está preparando terrenos para a nova fase.
Como o subsídio na faixa intermediária é quase a metade do que é oferecido no grupo 1, aumentam as chances de que o governo cumpra a meta de três milhões de unidades até 2018, sem que haja um rombo nos cofres públicos. Até agora, nas duas primeiras fases, foram entregues dois milhões de casas. Uma projeção do Bradesco estima que esse novo grupo intermediário representará pouco mais da metade do total das moradias contratados no Minha Casa, Minha Vida 3, enquanto o número destinado a famílias de renda maior ficará praticamente estável. O grosso do corte será concentrado, portanto, na faixa 1, na qual as unidades serão reduzidas em quase 90%., como já sinalizou o governo. Considerando essa estrutura, o governo conseguiria enxugar o custo total em 23%, para R$ 78 bilhões em relação à fase 2.
A continuidade do programa é encarada por todos os elos da cadeia de construção como uma forma de compensar o esfriamento nos projetos de infraestrutura e do mercado imobiliário. “O desafio agora será o de construir um número maior de moradias do que o que vem sendo feito anualmente”, diz Walter Cover, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat). Segundo a coordenadora de projetos da construção da FGV/ Ibre, Ana Maria Castelo, o setor vive o fim de um boom imobiliário, com ajuste de estoques. “Indiscutivelmente, sem o programa Minha Casa, Minha Vida, a situação seria pior”, afirma a especialista. As tesouras de Levy, pelo visto, já estão cientes.
Fonte: Istoé Dinheiro (15/4/15)