Mesmo com o benefício de ser a “Cidade Olímpica” — usina de obras em mobilidade e infraestrutura urbana —, o Rio de Janeiro está amargando perdas no mercado imobiliário. Numa desequilibrada partida entre oferta e demanda, o placar marcou, no primeiro semestre, 2.750 unidades residenciais lançadas. É o pior desempenho para o período desde 2005, quando foram 2.285. Na comparação com janeiro a junho de 2014, o tombo é de 55%, segundo a Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-RJ).
É que, com a crise político-econômica no país, o consumidor engavetou o projeto da casa própria, por estar inseguro devido à redução do orçamento e por temer a perda do emprego. Pesa ainda a maior rigidez na concessão de crédito para financiamento imobiliário — e, em consequência, o crescente número de devolução de imóveis (distratos).
Foi o caso da jornalista Natália Lima, moradora de Niterói, que devolveu um apartamento comprado na planta em 2012. A entrega do imóvel deveria ter acontecido em novembro de 2014, mas só ocorreu em maio deste ano. Muitas construtoras estão concentradas na entrega de imóveis lançados no auge da expansão do mercado, e com a economia em crise enfrentam agora mais dificuldades pela restrição de caixa.
— Em dezembro, um mês após o prazo oficial, mas ainda em obra, começamos a receber cobranças incessantes de pagamentos atrelados à entrega das chaves. Estava grávida e foi muito estressante — conta ela. — Esperávamos nos mudar no máximo em fevereiro, e não foi possível. Em março, minha filha nasceu. Depois, pedimos a devolução do imóvel. E já assinamos a rescisão.
Por desistir da compra, Natália e o marido perderão 30% do total pago durante a obra. Por ora, a família se aperta no dois quartos compacto em que vive.
Para responder a esse movimento, as construtoras fecharam as torneiras de novos projetos e estão facilitando ao máximo — o que inclui redução de preços dos imóveis — as condições de venda, abrindo vantagem para o comprador.
Levantamento da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), reunindo dados de 14 cidades e suas áreas metropolitanas no país, mostra que, só no primeiro trimestre, foram 24% novos projetos a menos, na comparação com janeiro a março de 2014. A queda é atenuada pela manutenção da demanda no segmento de unidades populares, como empreendimentos do programa Minha Casa Minha Vida.
Preço pode cair mais
A freada nos lançamentos também está relacionada à imprevisibilidade no cenário político e a mudanças de regras no crédito imobiliário.
— No início do ano, a perspectiva era melhor do que se revelou ao longo do semestre. Houve aumentos da taxa de juros (a básica, Selic, está hoje em 13,75% ao ano), redução da fatia máxima a ser financiada dos imóveis, além de instabilidade política, que gera insegurança e preocupação. Comprar um produto de alto valor agregado pede financiamento, que exige comprometimento de renda de longo prazo — diz Claudio Hermolin, vice-presidente da Ademi-RJ.
Com a necessidade de cumprir obrigações de curto prazo, os grandes grupos — sobretudo aqueles com capital em Bolsa — precisam gerar caixa, dizem especialistas. Redução de preços, mais benefícios e até financiamento direto estão entre as estratégias adotadas para manter as vendas e, sobretudo, reduzir o número de imóveis em estoque.
— O segundo semestre é uma incógnita. O Brasil ficou tão instável no aspecto político-econômico que não é possível fazer previsões. Há um problema de falta de recursos e um processo cada vez mais rigoroso na concessão do crédito a quem planeja comprar um imóvel — pondera José Carlos Martins, presidente da CBIC.
Raone Costa, economista da Fipe, destaca que o primeiro semestre de 2015 foi o pior desde 2008, início do índice FipeZap, apurado em 20 cidades do país. O preço dos imóveis teve queda real de 4,45%.
— O preço pode cair mais. Quanto maior o ajuste, maior a probabilidade de voltar a vender — diz Costa, que estima que a maré de baixa seguirá até dezembro, mas não vê cenário de bolha. — O carioca paga mais para morar no Rio, mas o imóvel da cidade vale mais.
Oferta de 4,95% maior de imóveis no Rio
O Boletim FipeZap trimestral divulgado em abril avalia a relação entre o preço dos imóveis e a renda das famílias, para mensurar o quanto a compra de um imóvel pesa no orçamento doméstico. O Rio é a cidade do país com a maior relação preço-renda. Em fevereiro deste ano, “a família carioca média levaria pouco mais de 17 anos para pagar um apartamento típico da cidade de 70 metros quadrados”, diz o estudo. Em 2008, eram dez anos.
As estimativas mais otimistas são de estabilidade no segundo semestre. Daniel Cobucci, analista da BB Investimentos, lembra que se trata de um setor com ciclos de longo prazo:
— O setor tem ciclos. Vivemos um de alta muito forte entre 2011 e 2013. E há muitos imóveis lançados nesse período sendo entregues agora. A recuperação efetiva só deve acontecer em 2017.
Rubem Vasconcelos, presidente da imobiliária carioca Patrimóvel, estima que no ano haverá queda de 30% em vendas:
— O mercado imobiliário, como o Brasil, está atravessando um momento difícil. O primeiro trimestre foi catastrófico, mas o segundo já foi melhor, voltou a vender. Saímos do fundo poço. Há descontos de 20% a 40% em preços. É preciso zerar estoques para gerar escassez de imóveis e, a partir disso, permitir a recuperação dos preços.
Segundo o Sindicato da Habitação (Secovi-Rio), de janeiro a junho, o preço médio de venda do metro quadrado no segmento residencial caiu 1,74%. Há este mês 33.915 imóveis em oferta (entre novos e usados), alta de 4,95% sobre julho de 2014.
— De janeiro a março, as vendas de imóveis em Rio e São Paulo caíram em 15% em número de unidades. Em valor gerado por essas vendas, a queda foi de 21%. É efeito das promoções — diz Bruno Serpa Pinto, vice-presidente de operações da Brasil Brokers no Rio.
A situação do Rio é atenuada pelas obras ligadas às Olimpíadas. Em valor geral de vendas, a retração no mercado carioca no primeiro trimestre ficou em 9%, a despeito de uma alta de 10% nas vendas. Em São Paulo, houve queda de 28% nos dois quesitos, segundo a Brasil Brokers.
Na cidade de São Paulo, entre imóveis na planta, em construção e prontos, existe um estoque de 28.119 imóveis residenciais. O número é 64% superior à média histórica do setor, de cerca de 17 mil unidades, e o mais elevado nos últimos cinco anos. No primeiro semestre, o total de lançamentos despencou para 9.653, o menor patamar em dois anos. E, nos últimos 12 meses, cerca de 300 mil trabalhadores da construção civil perderam o emprego no estado, reduzindo em mais de 9% a força de trabalho, mostram dados do Sindicato da Construção Civil (Sinduscom). A previsão é que o número suba a 500 mil até o fim do ano.
— É uma das piores crises que já vivemos em São Paulo. Entre janeiro e maio, o número de unidades lançadas caiu 18,6% sobre igual período de 2014. Em vendas, o recuo foi de 11,4% em unidades vendidas. Em valores, a queda é de 33,6% — afirma Claudio Bernardes, presidente do Secovi de São Paulo, sindicato que representa o mercado imobiliário.
A estimativa do Secovi é que os lançamentos encolham 20% este ano em São Paulo (número que serve de indicativo para o restante do país) e as vendas encerrem 2015 com uma queda de 25%.
— Houve um movimento anormal de alta de preços de imóveis nos últimos anos. Muita gente comprava o segundo imóvel na planta para vender com valorização quando ficasse pronto. Mas o cenário econômico mudou e, na hora da venda, não havia mais comprador — diz o professor de Finanças do Insper Ricardo Humberto Rocha.
Para Rocha, o momento é bom para quem tem dinheiro em caixa e pode pagar o imóvel à vista. Como as incorporadoras querem baixar estoques, existe mais facilidade em conseguir um bom desconto. Ele citou caso de um imóvel que estava sendo oferecido com um desconto de R$ 700 mil em relação ao preço de dois anos atrás. Para quem precisa de financiamento, Rocha avalia que o consumidor deve aguardar um pouco antes de contrair a dívida.
O caso da enfermeira Vanessa Volpe Peres, de 37 anos, ilustra o freio no mercado em São Paulo. Mãe de duas meninas, ela e o marido queriam se mudar do apartamento de dois quartos, no bairro de Vila das Mercês, para um imóvel maior no Butantã, na Zona Sul da cidade. Quatro meses atrás, anunciaram o imóvel, que tem preço de R$ 300 mil a R$ 320 mil, em dez imobiliárias. Não apareceu comprador:
— Nossa ideia era adquirir um apartamento de três quartos na faixa de R$ 400 mil a R$ 500 mil. Com a venda do nosso apartamento, daríamos a entrada e financiaríamos o restante. Adiamos os planos.
Construtoras adiantam até 13º salário
A estratégia das construtoras é queimar estoques e só depois começar novas incorporações, diz Fernando Pompéia, consultor da Empresa Brasileira de Estudos do Patrimônio (Embraesp). Há desde oferta de TVs de plasma para quem comprar o imóvel novo até financiamento direto com a construtora, sem intermediação de um banco. Há casos em que as incorporadoras permitem o uso do 13º salário como entrada. E ainda adiantam o valor.
Várias construtoras não fizeram lançamentos no primeiro trimestre, e, no segundo, eles estão minguados. A Even informou que não fez lançamento no primeiro trimestre e só dois no segundo. Brookfield, Tecnisa e Rodobens não tiveram lançamentos de janeiro a março.
As construtoras cariocas João Fortes e Concal não fizeram lançamentos, adiando projetos para agosto a dezembro.
— No início de 2016, com o fim das obras na cidade, o mercado imobiliário vai se reaquecer — prevê Rodrigo Conde Caldas, vice-presidente da Concal.
Fonte: Extra online (26/7/15)