O duplo aperto nas condições de financiamento imobiliário pela Caixa — o primeiro foi em abril, e o mais recente entrou em vigor na última segunda-feira — pegou no contrapé um sem-número de brasileiros. A partir de então, só foram assinados contratos enquadrados nas novas regras, que além de juros mais altos, exigem uma entrada correspondente a pelo menos metade do valor do imóvel para a maioria dos casos. Clientes que estavam no meio do processo de compra, contando dar uma entrada menor — e pagar o restante ao longo dos anos — tiveram suas negociações canceladas.
Boa parte deles já estava com o processo de compra bem avançada e, por isso, já fez desembolsos, como o sinal pago ao vendedor no compromisso de compra e venda (cerca de 10% do valor total do imóvel), pagamento necessário para “segurar” o imóvel até a conclusão do processo de financiamento. Outros chegaram a pagar também o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), cujo recolhimento é exigido na assinatura da venda. O tributo equivale a 2,5% do valor do imóvel.
Regras mudam duas vezes
Foi o que aconteceu com a administradora Luciana Campo, que simulou no site da Caixa um financiamento que cobriria 90% do valor do imóvel desejado. Ela estava levantando a documentação exigida pelo banco, quando as regras mudaram pela primeira vez, em 13 de abril: o financiamento baixou para 80%. Ainda assim, ela e o marido conseguiram se organizar para pagar 20% do valor do apartamento como entrada. No dia 29 de abril, eles entregaram toda a papelada à Caixa, mas foram informados de que não havia garantias para a aprovação, porque as regras mudaram novamente. Desta vez, a exigência de entrada passou a ser de 50% do valor do imóvel, e o casal teve que desistir.
— Estamos correndo de banco em banco, pois temos muito interesse no imóvel. Mas os juros são altíssimos. Além disso, tenho conta na Caixa há seis anos. Para conseguir financiamento em outro banco, ainda terei que abrir conta — reclama Luciana. — As novas regras deveriam valer só para quem não deu início ao processo. Acho que houve má-fé. Pretendo procurar um advogado porque me senti lesada.
Responsável por 70% dos empréstimos para casa própria no país, a Caixa não informa quantas negociações foram abortadas devido à exigência de entrada maior.
Na avaliação do advogado Marcelo Borges, diretor da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (ABADI), clientes prejudicados podem exigir na Justiça reparação pelo tempo e negócio perdidos.
Já exigir o cumprimento das condições prometidas no início do processo é considerado uma questão mais controversa:
— Com base no CDC (Código de Defesa do Consumidor), os mutuários que já tiverem dado início às tratativas para efetivação do empréstimo pelas regras antigas não podem ser compelidos a aceitar as regras novas — defende o advogado Armando Miceli Filho, para completar: — Mas uma ação assim só faz sentido com um pedido, e a concessão de antecipação de tutela, ou seja, de uma decisão urgente.
Por sua vez, Hamilton Quirino, advogado especializado em direito imobiliário, frisa que o contrato só passa a ter efeito quando assinado:
— Até lá, há uma mera expectativa de direito. Cada caso deve ser analisado individualmente.
Foi essa assinatura que garantiu o sonho da psicóloga Carina Lino. Ela e o marido conseguiram fechar o contrato com a Caixa no dia 30 de abril, último dia de vigor das regras antigas:
— O financiamento foi aprovado no último dia antes da mudança. Estamos muito felizes, pois foi no apagar das luzes.
Se o comprador tiver feito algum pagamento, apoiado em documento da Caixa se comprometendo a financiar determinado percentual do valor, ele pode exigir a condição inicial, afirma Quirino.
— Se o comprador tiver feito um negócio, com prévia anuência da Caixa, já tendo pago um determinado sinal, contando com um financiamento de um percentual maior, poderá pleitear o cumprimento do prometido — analisa.
O que diz a Caixa
Mas ,para entrar nessa batalha, deve se municiar de provas, recomenda o diretor da Abadi.
— É preciso reunir todos os documentos preliminares trocados com a Caixa e comprovantes de despesas realizadas. O primeiro passo é notificar o banco, requerendo o cumprimento do estabelecido antes da vigência da nova regra ou ressarcimentos dos gastos como perdas e danos. Caso a instituição se mantenha inerte, o caminho será buscar o Judiciário — afirma Borges.
A Caixa informou que “não se responsabiliza por negócios realizados entre compradores e vendedores, cujas condições são livremente entre estes pactuadas. O compromisso de conceder o financiamento somente ocorre após toda análise da proposta e tendo sido atendidos todos os pré-requisitos estabelecidos pela instituição financeira, bem como esta ter formalmente confirmado a aprovação do pedido de financiamento. Todos os casos de financiamentos aprovados pela Caixa e tendo as partes apresentado toda documentação necessária, foram honrados pelo banco”.
Quanto pagar à vista
Ao menos 60% – Imóveis usados com valor acima de R$ 750 mil (financiados pelo SFI) e imóveis usados de até R$ 750 mil (financiados pelo SFH) com prestação calculada com base na tabela Price (prestação inicial é mais baixa e aumenta ao longo do tempo).
Ao menos 50% – Imóveis de até R$ 750 mil (financiados pelo SFH) novos com prestação calculada com base na tabela Price e imóveis usados com prestação baseada no SAC (Sistema de Amortização Crescente, em que a mensalidade começa maior e vai caindo ao longo do tempo). Também é preciso ter metade da entrada para a compra de imóveis novos com valor superior a R$ 750 mil (financiados pelo SFI) com base na tabela Price.
Ao menos 30% – Apenas para imóveis novos de mais de R$ 750 mil (SFI) com base no SAC.
Ao menos 20% – Imóveis novos de até R$ 750 mil (SFH) com base no SAC.
Fonte: O Globo (10/5/15)