Tecnologias que aproximam do consumidor final os serviços de compra, venda e aluguel fazem com que os profissionais do mercado se reinventem para manter a clientela
O mercado imobiliário começa a enfrentar os mesmos desafios que os táxis, hotéis e restaurantes tiveram com a chegada de plataformas, como o Uber, o Airbnb e o iFood, que conectam os serviços ao cliente final por meio de tecnologia (aplicativos, em especial). A passos lentos, mas que tendem a acelerar, novas empresas baseadas em tecnologia oferecem agilidade no processo de locação ou venda.
Cada qual com suas especifidades, a proposta geral destas plataformas é ser um espaço que une as duas pontas finais da transação imobiliária. Os modelos já são usados em outros países, mas há algumas peculiaridades. A mais óbvia é que há uma grande diferença entre comprar um lanche e comprar ou alugar um imóvel. Além disso, o mercado imobiliário no Brasil é bem tradicional, e há dúvidas sobre o suporte prestado por estas empresas aos clientes. Mesmo assim, os novos modelos, bem como a tecnologia, têm obrigado os corretores a mudar a forma tradicional de fechar negócios. Entre os novos modelos que existem hoje, há o UpEstate e a Quinto Andar, que conectam inquilino a locador sem a necessidade de garantias locatícias nem da formalização no cartório. Já o Appzinho tem anúncios para compartilhamento de casas, além do tradicional aluguel de imóveis e quartos. Outra agência imobiliária nessa linha é a Livima, cuja proposta é o pagamento de um taxa única para anunciar a unidade, sem cobrança de comissão. O sócio-fundador da Livima, Felipe Bogoricin Braga, diz que vê potencial no Brasil, onde o uso de aplicativos é grande. Ele acredita que isso inclui uma abertura para o mercado imobiliário. — Nossa equipe vem de um mercado imobiliário tradicional e sentia dificuldade em burocracias que eram ineficientes. O serviço de corretor é muito caro e nem sempre o atendimento tem qualidade —afirma.
SEM COMISSÃO
Como não há comissão nas vendas (que varia de 4% a 6%), nem na locação (de dois aluguéis, geralmente), a equipe dele recebe um salário e o desafio é vender ou alugar o quanto antes o imóvel. Na agência virtual, o anunciante paga uma cota única, a partir de R$ 594 — pode aumentar, conforme os serviços solicitados. A empresa se compromete a fazer negócio em até 24 meses. Segundo Bogoricin, a média de tempo é de três a nove meses.
‘CONCORRÊNCIA DESLEAL’
O presidente do Conselho Regional de Corretores de Imóveis no Rio (Creci-RJ), Manoel da Silveira Maia, afirma que o novo modelo não chega a preocupar as corretoras e imobiliárias, mas critica o que considera uma concorrência desleal, e a insegurança para o cliente. — Este tipo de negociação pode prejudicar o mercado e o comprador. Não se pode lançar um preço vil e prejudicar o mercado de uma forma geral. E, se essa empresa quebrar, o cliente não sabe nem onde fica para cobrar. É preciso criar um mercado que tenha solidez. Pode ser comum nos Estados Unidos, mas, aqui não é.
Já o presidente da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi), Carlos Samuel de Oliveira Freitas, acredita que os novos modelos digitais fazem parte de uma mudança natural de vários setores e, no caso do imobiliário, obriga as empresas tradicionais a se adequarem e a oferecerem um serviço mais aprimorado. Isso é bom para o cliente.
— Ainda não sabemos o sucesso que estes aplicativos terão, mas o que acontece é que boa parte dos proprietários não quer ter uma relação direta com o inquilino. Há lugar para todo mundo no mercado imobiliário: as tradicionais e as startups — pondera Freitas. Um outro ponto, segundo ele, é que, embora existam muitos novos modelos aparecendo, estes não têm a expertise para dar assistência durante o tempo de contrato ou para lidar com problemas na locação ou pós-venda: — Por mais simplificado que seja o aplicativo, em um contrato de locação, há o fechamento do negócio, o decorrer do contrato e a devolução. É esse conhecimento da resolução de conflitos que as imobiliárias têm a oferecer.
Assim como Freitas e Maia, o professor do MBA em Negócios Imobiliários da FGV, Paulo Porto, acredita que a intermediação em contratos imobiliários nessas plataformas digitais ainda é imatura. Mas ele acredita que as empresas precisam se atualizar, especialmente em relação à tecnologia.
— A tecnologia vai substituir o trabalho do corretor. Isso é para mais de 15 anos, mas já vemos alguns sinais, como atendimentos primários feitos por máquinas ou filtro de imóveis realizado por um sistema nas próprias imobiliárias. Antes, isso era feito pelo corretor.
A saída para o profissional é se reinventar. Porto destaca que os sistemas podem substituir processos burocráticos, mas não a inteligência. Ou seja, para se manter no mercado, os profissionais imobiliários terão que oferecer cada vez mais um atendimento mais refinado e completo. Segundo ele, isso significa deixar de ser apenas um vendedor, ou “empurrar” um imóvel, para ser uma espécie de consultor de negócios imobiliário que traz a solução para o cliente. — Isso inclui ajudar a achar imóvel, pensar no orçamento, fazer a ponte com banco ou agente financeiro, com escritório de arquitetura e com lojas de decoração, por exemplo, assim como passar informações sobre documentação e cartório — diz ele, que completa: — Hoje, infelizmente, há muitos corretores mal preparados. Eles precisam buscar aperfeiçoar as técnicas de atendimento ao cliente e vender uma solução, não apenas o imóvel.
Uma tendência nas plataformas digitais é a do modelo de compartilhamento colaborativo para o aluguel. Isso significa tanto parcerias como a que a Livima faz com cartórios e corretoras, por exemplo, como também usar o espaço digital para reunir interessados por nichos bem específicos, como o Facebook já faz há algum tempo.
A partir desse espírito colaborativo, surgiu o Appzinho. Esse site nasceu do Apezinho, um blog criado há cinco anos por Daniela Pereira e sua filha Fernanda. A página reúne dicas para quem vai morar sozinho pela primeira vez. Segundo Daniela, a ideia de reunir pedidos para locação e venda veio da demanda dos próprios clientes, que são em sua maioria de jovens e usam estas comunidades virtuais.
A diferença é que, além do tradicional imóvel inteiro e do quarto para alugar, a plataforma conecta moradores que queiram dividir um apartamento. Nessas buscas, os interessados normalmente apelavam para as redes sociais.
Outro ponto são os filtros específicos que selecionam imóveis a partir da vista, do verde no entorno, da permissão para se ter animais de estimação ou da proximidade de áreas de “agito”. Para quem vai dividir, há até filtro de busca por casas com moradores veganos ou vegetarianos.
— É cada vez mais comum romper a intermediação em um serviço de uma pessoa física para outra. É uma forma de se adequar a uma nova realidade financeira e tornar o processo mais acessível a todos —dis Daniela.
Ela tem parceria com corretoras também, que usam seu espaço para anunciar. Segundo ela, até o final do ano não haverá cobrança para pessoas físicas. A ideia é entrar primeiro no mercado para depois cobrar um percentual sobre o valor da oferta.
Fonte: O Globo