O empresário Wellington Barbosa, de 58 anos, decidiu comprar um carro híbrido em 2022. Morador de um condomínio de alto padrão no bairro de Boa Viagem, em Recife (PE), ele já possuía autorização da síndica para instalar uma estação de carregamento. A obra foi realizada por uma empresa especializada contratada por ele, com equipamentos originais, e contou com a presença do engenheiro responsável pelo edifício. Três anos depois, contudo, o caso foi parar na Justiça, e o condomínio obteve uma liminar determinando a remoção do carregador em julho deste ano. Em meio ao aumento de vendas dos veículos do segmento, disputas judiciais do tipo têm sido recorrentes ao redor do país.
De acordo com Barbosa, mesmo com seu carro sendo o único com motor elétrico no prédio, alguns moradores passaram a enviar mensagens no grupo de WhatsApp do condomínio com críticas relacionadas à segurança de veículos do tipo. Um condômino chegou a mandar um vídeo intitulado “carros explosivos”, com a imagem de um automóvel em chamas gerada por inteligência artificial.
“Um perigo os carros elétricos”, escreveu um morador. “Eu também acho. Não quero para mim, e não aconselho para ninguém”, respondeu outro. Após os episódios, ele recebeu uma notificação solicitando a retirada do equipamento no prazo de dez dias úteis, sob multa de até R$ 10 mil em caso de descumprimento.
— Eu tenho um sentimento que meu direito está sendo violado. A conta de luz está vinculada ao meu apartamento, não ao condomínio. Se fala muito em cuidar da natureza, e o governo incentiva isso (com isenções de impostos). Como é que a gente não pode usar usar uma coisa que o governo mesmo incentiva? — questiona Barbosa.
A defesa do empresário ingressou com um processo judicial, e chegou a obter a autorização para manter o uso do carregador, sob a justificativa de que a remoção não foi deliberada com o quórum necessário. Em seguida, o condomínio entrou com um recurso para contestar a decisão, que culminou na liminar que ordenou a retirada do aparelho.
“A instalação de carregador elétrico veicular constitui, inequivocamente, obra em parte comum do edifício, com impacto direto na rede elétrica geral”, destacou a decisão. “A autorização individual da síndica é manifestamente insuficiente para legitimar a obra”, completou o desembargador Fábio Dantas.
De acordo com o advogado Derik Maia, que atua na defesa de Barbosa, a sobrecarga de energia apontada “é um problema do prédio”, e “não foi um único carregador que causou isso”. Maia destaca um laudo técnico realizado pelo condomínio em março de 2024, que atesta que o prédio “encontra-se com nível de sobrecarga acima do limite”, sem sequer ter a disponibilidade para a instalação de um ar-condicionado.
Sob o mesmo parecer, o advogado de defesa do condomínio, Rodrigo Asfora, argumenta que a sobrecarga gerou uma “campanha de conscientização” dos moradores para “uma utilização mais racional da energia”. Os investimentos feitos para aumentar a capacidade energética ainda não são suficientes. Sobre os comentários feitos no WhatsApp, Asfora aponta que os moradores “não fazem parte da gestão” e “não falam em nome da administração”.
— A gente tem, de um lado, um interesse individual de um morador que tem um carro híbrido, que pode abastecê-lo com gasolina em locais externos. Do outro, há o interesse de toda uma coletividade que estava sofrendo com uma sobrecarga de energia elétrica — argumenta Asfora.
A decisão que ordenou a retirada do equipamento também aponta que o carregador “foi instalado em rota de fuga de incêndio”, o que é contestado por Maia. O advogado ressalta que um perito contratado pela defesa afirmou que o carregador estava “apto a operar de maneira segura” e “funcionando perfeitamente”.
Dono do portal Diário do Carro Elétrico, com 195 mil seguidores nas redes sociais, Marcos Bebici ressalta o baixo consumo dos carregadores automotivos, que “consomem igual um chuveiro elétrico”, mas pondera que um equipamento por vaga pode exigir mudanças estruturais maiores em um edifício residencial. Nesse caso, o ideal seria o próprio condomínio instalar “vagas rotativas”, de uso comum.
— A solução está no condomínio gerenciar algumas vagas de carregamento comunitárias — destaca o especialista. — As pessoas precisam saber que o carro se 100% elétrico, estatisticamente falando, é muito mais seguro do que um carro a combustão na questão do incêndio.
‘Não há como retroceder’
Diretor jurídico da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi), Roberto Bigler afirma que a entidade tem percebido um “aumento significativo” na demanda pela instalação de pontos de recarga. Bigler defende que “esse é o futuro, e não há como retroceder”.
Em maio deste ano, a Abadi divulgou um comunicado para orientar síndicos sobre a instalação de carregadores em condomínios. A entidade destaca a importância da conformidade com a norma técnica NBR 17019:2022, que estabelece, entre outras exigências, que as estações fixas devem ter um circuito elétrico exclusivo, com disjuntores adequados e dispositivos de proteção.
Para a entidade, cabe à assembleia deliberar sobre o tema, mesmo quando se trata de vagas de uso exclusivo, pois as instalações devem considerar “os impactos na estrutura comum, na segurança e na coletividade”. No caso de instalação promovida pelo próprio condomínio, o quórum necessário deve ser avaliado de acordo com a complexidade da obra.
“Recomenda-se a aprovação por maioria simples para obras sem grande impacto ou custo; por maioria absoluta no caso de benfeitorias úteis (dependendo do caso concreto, quando houver alteração significativa da área); e por dois terços, quando houver destinação exclusiva de vagas”, orienta o parecer da associação.
Especialista em Responsabilidade Civil, o advogado Eduardo de Oliveira Costa explica que o morador tem direito de realizar a instalação, desde que arque com os custos e apresente um projeto técnico que atenda às normas de segurança. O condomínio, por sua vez, tem autonomia para regulamentar o uso das áreas comuns, mas deve analisar a viabilidade da instalação de forma imparcial.
O advogado ressalta, contudo, que as assembleias não podem “impedir de forma injustificada a instalação de carregadores”, o que pode ser interpretado como abuso de direito, especialmente se não houver embasamento técnico para a negativa. Segundo o especialista, o “debate acalorado” gerado pelo tema tem resultado em “disputas judiciais evitáveis”.
— O diálogo e a formalidade são os melhores aliados aqui. Quando bem instruída e tecnicamente orientada, a assembleia pode ser uma aliada, e não um obstáculo — explica Costa, que também destaca a “busca pelo equilíbrio”: — O direito individual de modernizar sua mobilidade deve coexistir com a preservação do interesse coletivo e da segurança do edifício.
Fonte: O Globo. Confira a matéria completa no link a seguir: https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2025/10/21/aumento-de-carros-eletricos-no-pais-gera-disputas-judiciais-para-instalacao-de-carregadores-em-condominios.ghtml


